A probabilidade do ressurgimento do sorotipo 3 do vírus da dengue no Brasil acende alerta para epidemia em 2024, “importante e com mortes”, segundo Kleber Luz, coordenador do Comitê de Arboviroses da SBI (Sociedade Brasileira de Infectologia) e consultor para arboviroses da Opas (Organização Pan-Americana de Saúde), braço da OMS (Organização Mundial de Saúde) nas Américas.
“Os sorotipos 1 e 2 da dengue predominam no Brasil em 2023. O 3 está muito presente no México, na América Central, e já há o encontro dele no Norte do país. Há chance de uma epidemia mais importante, com mortes”, ressalta.
A reportagem conversou com o especialista —que também é membro do grupo técnico de arboviroses da OMS e professor da Universidade Federal do Rio Grande do Norte— durante o 23º Congresso Brasileiro de Infectologia (Infecto2023), realizado em Salvador (BA), de 19 a 22 de setembro.
Há mais de 15 anos, o sorotipo 3 da dengue não causa epidemias no Brasil. Seu retorno é arriscado por causa da baixa imunidade da população.
O vírus da dengue possui quatro sorotipos. Quando um indivíduo é infectado por um deles adquire imunidade contra aquele vírus, mas ainda fica suscetível aos demais. Existe o perigo da dengue grave, que ocorre com mais frequência em pessoas que já tiveram a doença e são infectadas novamente, por outro sorotipo. É o que pode acontecer com a infecção pelo tipo 3.
Para Luz, neste cenário, a principal preocupação das autoridades de saúde deverá ser o manejo.
“As secretarias estaduais e municipais de Saúde, e o ministério [da Saúde] precisarão priorizar a capacitação dos médicos e enfermeiros, no sentido de reconhecer as formas graves de dengue e intervir. Estamos no mês de setembro e já temos quase mil mortos por dengue no país. Você consegue resolver tudo na medicina, menos a morte”, afirma.
Segundo o especialista, também é necessário um programa de educação para que as pessoas evitem o criadouro do mosquito.
“Popularmente, tenho visto pouca campanha. Não só de dengue, mas também de HIV, de vacinação. Parece que houve um arrefecimento dessas medidas. O terceiro ponto é a vacinação. Já existe vacina. Talvez fosse interessante uma recomendação de vacinação como ação de serviço público”, defende.
Duas vacinas contra a dengue foram aprovadas para uso comercial no Brasil –Dengvaxia (Sanofi Pasteur) e Qdenga (Takeda Pharma), mas nenhuma está incorporada ao SUS (Sistema Único de Saúde). Ambas são quiméricas, ou seja, atenuadas. Elas têm efeitos protetores distintos contra sorotipos –Takeda é maior para o 1 e o 2; Sanofi, menor para o 2.
A da Sanofi tem um arcabouço do vírus da febre amarela, com fragmentos dos sorotipos 1, 2, 3 e 4. É recomendada a pessoas de 9 a 45 anos, mas a indicação vale apenas para quem foi previamente infectado por um dos subtipos. É administrada em três doses, com intervalo de três meses.
Estudos feitos pelo laboratório produtor apontaram risco de que pessoas que nunca tiveram a doença desenvolvam formas mais graves de dengue caso sejam infectadas pelo mosquito Aedes aegypti.
A da Takeda tem o arcabouço do dengue 2 atenuado, neste caso, com proteínas do 1, 3 e 4. É voltada a indivíduos de 4 a 60 anos, e administrada em duas doses com três meses de intervalo. Mais estudos são necessários para análise dos sorotipos 3 e 4.
“Ainda há lacunas na decisão do uso dessas vacinas. Se eu tiver dengue agora, quando poderei tomar a primeira dose? E se eu tomar a primeira dose e tiver dengue daqui a 90 dias, quando eu poderei tomar a segunda? Então, são perguntas que precisam ser respondidas.
Outra ação importante, de acordo com o pesquisador, é estimular a Wolbachia, a bactéria que infecta o mosquito. “Quando você controla o mosquito, controla dengue, zika e chikungunya. E as grávidas devem usar repelente por causa do zika. Cedo ou tarde teremos casos. A microcefalia é o maior problema em relação a arboviroses”, finaliza o médico.
EM 8 MESES, BRASIL REGISTRA 946 MORTES POR DENGUE
No Brasil, até 2 de setembro de 2023, foram registrados 1.530.940 casos de dengue e taxa de incidência de 753,9 casos/100 mil habitantes. No mesmo período do ano passado, o país teve 1.313.805 casos — taxa de 647,0 casos/100 mil habitantes.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) considera que taxas acima de 300 casos por 100 mil habitantes indicam situação epidêmica —segundo o pesquisador, neste ano, causada pelos sorotipos 1 e 2.
Em relação às mortes, no mesmo período, foram 946 em 2023 e 960 no ano passado.
A repórter viajou a convite da Sociedade Brasileira de Infectologia.
Folha