Contrariado com a instalação de uma estátua de Nossa Senhora Aparecida na entrada de Bastos, cidade do interior paulista a 550 km da capital, um pastor evangélico chamou um dos maiores símbolos do catolicismo nacional de “Satanás fantasiado de azul”.
Líder na igreja Vida Nova, Sérgio Fernandes se disse “indignado com usarem dinheiro público” na escultura. O episódio de intolerância religiosa, registrado em vídeo, aconteceu durante um culto no domingo (1º).
“Colocaram uma imagem de escultura na entrada da nossa cidade que não nos representa”, disse em sua pregação. “Não tem nada a ver com a gente.”
A fé evangélica não admite a veneração de santos, equiparada à idolatria. Para esse segmento cristão, o único mediador da humanidade com Deus é Jesus Cristo. Fiéis poderiam, então, admirar Maria e outros nomes canonizados pela Igreja Católica, sem lhes atribuir santidade.
O pastor afirmou que até entenderia uma homenagem à comunidade japonesa, vasta no município. Mas não o ícone católico.
“Quando a pessoa entra em Bastos e olha lá a bandeira do Brasil, a bandeira do Japão, o obelisco, beleza, é cultura japonesa, parabéns. Põe ovo, põe galinha, põe o que quiser, mas não vem pôr o Satanás fantasiado de azul na entrada da cidade. Não traz maldição para a nossa cidade. Aquilo é ponto de contato com o inferno. Ora, porque o espírito de idolatria não vai ficar aqui. Eu não aceito.”
Numa rede social, Fernandes se retratou pelos “excessos cometidos” e disse que, ao seu ver, “verbas públicas devem ser guardadas pela laicidade do Estado, não promovendo nenhuma vertente religiosa”.
Ataques similares, no passado, já desgastaram a relação entre os dois maiores blocos religiosos do Brasil. O auge da animosidade foi em 1995, quando um bispo da Igreja Universal desferiu pontapés numa estátua de Aparecida. Sérgio Von Helder a descreveu, na ocasião, como “um bicho tão feio, tão horrível, tão desgraçado”.
Conhecido como “chute na santa”, o arroubo dominou o noticiário de um Brasil ainda predominantemente católico e chegou a motivar ataques a templos da Universal.
Uma das representações de Maria, a mãe de Jesus, Aparecida foi instituída padroeira do Brasil em 1931, pelo pouco religioso Getúlio Vargas —que, em sua formatura na faculdade de direito, fustigou a moral cristã como “contrária à natureza humana”. Os ataques do pastor de Bastos vieram a duas semanas do 12 de outubro, dia dedicado à santa no calendário nacional.
O prefeito de Bastos, Manoel Rosa (MDB), reagiu à fala do líder religioso. “Não precisava polêmica nenhuma diante de uma situação pra nós tão normal”, afirma, apontando que a maioria dos municípios brasileiros “têm homenagens aos santos, a Jesus Cristo, ao Espírito Santo”.
A estátua que enervou Fernandes foi colocada num gramado bastense na semana passada. Rosa diz que alguns evangélicos, reclamando que até há uma praça da Bíblia na cidade, porém pequena demais, propuseram um tributo ao livro sagrado do cristianismo.
E de fato o pedido foi atendido: além de Aparecida, há na chegada a Bastos a escultura de uma Bíblia e de uma pomba branca, representação do Espírito Santo.
“Tentamos fazer o melhor possível num espaço ecumênico por entendermos que as religiões podem e devem conviver pacificamente”, afirma o prefeito. Ele ressalta ter sofrido ameaças judiciais em razão da imagem católica.
Folha Online